Não se deixem enganar pelo título. Educar uma rapariga também não é fácil.
Mas, como mãe, em certas coisas sinto um desafio muito maior na educação da cria mais pequena, por ser rapaz.
Apesar de ser um rapagão de tamanho e um bocado abrutalhado, é um bebezão ao mesmo tempo (e acabou de se vir enfiar na minha cama e de adormecer aqui ao meu lado, porque eu sou "fofinha para abraçar").
Sinto que em alguns momentos é díficil lutar contra aquilo que a sociedade tradicionalmente considera ser a forma de educar um rapaz e aquilo que eu acho correcto.
Há quem ache que educar um rapaz é perguntar-lhe com frequência "que é isso que tens aí no meio das pernas?" (como quem diz, tens aí um grande material, mesmo como o pai, é só orgulho e vamos ensinar-te a pensar com esse órgão), ensiná-lo a não respeitar as raparigas e a abusar delas, a andar constantemente à porrada e, claro, rapaz que é rapaz tem de gostar de jogar à bola. Se não gostar de jogar à bola ou não tiver grande queda para a coisa, é porque não é lá muito normal.
Idealmente um bom rapaz é aquele que é educado para se tornar um belo burgesso enquanto adolescente e homem feito.
Nada como um homem que coça a salada em público, que cospe para o chão, que diz todos os impropérios inventados enquanto vê um jogo de futebol e que se vira para uma rapariga por quem passa na rua e diz "eh lá, isso é tudo teu?" para começar.
Pois, mas é nestes pontos que me bato muito. Não quero educar o meu filho rapaz a ter comportamentos de rapariga, obviamente, mas detesto pensar na ideia de educar um pequeno burgesso. Tem de haver aqui um equilíbrio possivel!
Porque normalmente as crianças são um reflexo dos pais, do que escutam, do que vêm e depois de serem formatados dessa forma será difícil mudar.
Pois, os pirralhos cá de casa, apesar dos diferentes sexos, têm em si ambos uma componente artística e criativa bastante forte.
A Madalena adora dançar hip-hop e tem imenso jeito e quer muito seguir teatro. Finalmente este mês conseguimos desencantar um grupo de teatro, pelo que isso está encaminhado. E canta muito. Ela pensa que eu não dou conta, mas já a ouvi cantar e fico de coraçao cheio. Só não me lança aquela voz mais para fora por vergonha...o que me irrita.
O Marcos, adora dançar Zumba, adora música e cantar (mas sempre baixinho que é para ninguém ouvir), ao mesmo tempo que adora fazer Kempo ou correr e dar toques numa bola (sendo que este nunca foi o seu maior interesse).
No meio do que escrevi, quantos pais ficaram escandalizados com a parte da Zumba e deixaram de ler o resto?
É porque ele não adora dançar Zumba em casa. Ele pratica Zumba como uma das actividades no ATL que frequenta, da mesma forma que pratica Kempo.
Inicialmente só o iamos inscrever no Kempo, porque era o que tinha pedido, mas nas férias de Verão no ATL teve aulas de Zumba e a timidez foi só na primeira aula, depois foi sempre para a linha da frente e vinha do ATL com a felicidade estampada no rosto por fazer algo que descobriu adorar.
Quanto começou o ano lectivo, era suposto deixar de ir à Zumba, mas assim que via aparecer a professora (que por acaso é uma das minhas professoras de Zumba) lá ia ele a correr colar-se à aula, "ah e tal, mas eu quero fazer" e ninguém o conseguia mandar embora.
Conclusão, disse-nos com todas as letras que queria que o inscrevessemos nas duas actividades "porque eu gosto muito do Kempo mas adoro Zumba e quero continuar a fazer".
Continua a ter imensa vergonha em dançar à nossa frente, da mesma forma que nunca quer cantar, da mesma forma que a irmã dança às escondidas o hip-hop ou só canta quando acha que não estou a ouvir.
Mas choca-me saber que o Marcos é o único rapaz no ATL que vai à aula de Zumba, o resto são raparigas.
Se é porque nenhum outro rapaz gosta de Zumba? Não! Há outros meninos que adoram dançar Zumba, mas são obrigados a ir ao Kempo, porque é a única actividade mais máscula que o ATL tem e onde a maioria dos pais permite a inscrição dos filhos. Porque macho não dança. Mesmo que a criança peça muito.
E eu acho isto uma tristeza.
Já devíamos estar tão mais avançados nisto!
Porque raio fica uma criança impedida de fazer uma actividade que adora só porque não é máscula o suficiente?
É que se for uma filha a gostar de jogar futebol isso já é fixe, porque as raparigas também podem jogar (ainda que joguem mal e não cheguem aos calcanhares de um rapaz, segundo dizem). Porque continua a ser futebol.
Parece que os rapazes estão condenados a uma carreira futebolística, nem que seja na equipa dos Alguidares de Baixo, só para encher de orgulho um pai que verá a sua virilidade afectada por ter um filho que prefira aprender música ou dança ou teatro.
Eu então só peço que o meu filho queira experimentar coisas diferentes, sejam desportos, sejam actividades mais artísticas, tudo menos futebol.
O ambiente que vivem crianças que jogam futebol é absolutamente horrível e sujeitar uma criança a esses ambientes devia ser crime. Um ambiente onde pais e mães se pegam pela competição, pelo "o meu filho é que é o maior" e o pior de tudo são os pais que vão ver um jogo de um filho para passarem o tempo a chamar-lhe todos os nomes, desde maricas, a "és um zero à esquerda", "és um merdas", só porque não marcam um golo ou perdem um passe. Acho vergonhoso!
Podem vir para aqui dizer que o meu filho está a ser educado como uma menina porque tinha mais era de passar o fim-de-semana a correr atrás de uma bola.
Eu quero deixar o sangue artístico dos meus filhos correr-lhes nas veias, seja como um hobbie seja um dia mais tarde como algo que queiram mesmo fazer a sério.
Eles serão felizes a fazer algo que gostam e não algo que nós insistimos que façam, só porque a sociedade o exige ou para compensarem alguma frustração que temos.
Alguns pais colocam nos filhos uma pressão rídicula, porque querem que eles sejam capazes de alcançar sonhos e objectivos que os próprios nunca conseguiram.
Portanto, sim, a cria pequena faz Zumba, a cria gaja faz teatro e hip-hop e um dia mais tarde podem querer experimentar outra coisa e logo se vê. Cortar as pernas a talentos inatos para certas coisas é que é uma estupidez.
Já basta a escola para os formatar e vir exigir que sejam todos bons a fazer o mesmo. São competências importantes, com certeza, e são as bases para o futuro. Mas a vida é tão melhor com música e dança, por que não ter o melhor dos dois mundos?