Este livro fez-me chorar, ficar com um nó na garganta e morrer de medo pelos meus filhos.
É um livro de ficção, mas baseado em factos e relatos históricos reais. O foco principal da história prende-se com o escândalo em torno da Sociedade de Acolhimento de Crianças do Tennessee, gerida por Georgia Tann e que funcionou entre os anos 20 e 50. Esta mulher foi considerada extraordinária pelo seu trabalho de auxílio a crianças órfãs que eram colocadas para adopção rapidamente. Chegou a ser consultada por Eleanor Roosevelt relativamente a questões sobre alterações à lei das adopções nos EUA. Só 30 anos depois, aproximadamente em 1950 é que se veio a descobrir os moldes em que esta “instituição” funcionava.
A grande maioria das crianças eram raptadas, umas logo à nascença (dizendo aos pais que tinham morrido à nascença e fazendo-os assinar documentos enquanto estavam medicados fazendo-os pensar que o fim era um, quando afinal era para autorizar a suposta entrega da criança à instituição), outras enquanto iam para a escola e outras enquanto brincavam na rua. As que sobreviviam à estadia no lar eram depois vendidas a preço de ouro às famílias que queriam adoptar. Obviamente que crianças loiras e de olhos azuis eram especialmente valorizadas no “mercado”. E, se nalguns casos, essas famílias trataram as crianças com todo o amor e carinho, dando-lhes uma vida normal, outras foram abusadas física e psicologicamente. Mesmo os que eram adoptados por famílias que lhe davam amor e carinho estas famílias eram continuamente chantageados por Georgia que, pouco tempo depois das adopções, os ia ameaçar com a retirada das crianças (porque o processo nunca estava bem concluído e afinal havia uma avó ou uma tia ou os próprios pais biológicos que queriam a criança de volta), o que depois era colmatado com o pagamento de novas quantias exorbitantes de dinheiro. Uma chantagem que podia durar anos, porque depois de as famílias estarem afeiçoadas às crianças, já não as queriam perder.
Para algumas crianças até pode ter sido uma sorte o destino da adopção, porque lhes deu acesso a uma vida e perspectivas futuras que nunca teriam nos meios de onde vinha. Mas os fins não justificavam os meios. Porque poucas eram as que realmente eram órfãs. Uma coisa é ser órfão, outra é ser roubado à família para ser vendido. No fundo, eram todos vendidos a famílias abastadas. Era uma troca comercial vantajosa com “bens” que nunca deveriam estar à venda.
A narrativa alterna entre May (Rill Foss) e Avery, entre o passado e o presente, entre uma vida de sofrimento e a busca pela verdade.
Avery Stafford é uma jovem loira e rica que abandona temporariamente a sua carreira como advogada para regressar para junto da família na Carolina do Sul. O pai está doente e ela tem que se preparar para assumir o legado da família participando em eventos políticos. Pressionada para assumir este papel de uma forma muito intensa, sem poder dar um passo, sem poder ter vida e escolhas pessoais, com um noivo que na verdade é um amigo de infância, naquilo que é uma relação política arranjada pelas duas famílias. Se ao início a personagem parece um pouco fútil, rapidamente se transforma e é muito bonita esta sua evolução, a sua força. Até porque se interroga continuamente sobre a sua vida e o seu papel
A história de Rill começa em 1939 e a sua vida é bem diferente. Vive numa casa flutuante no rio Mississipi juntamente com os pais e os quatro irmãos, num estado de pobreza típico da Grande Depressão nos EUA, mas ainda assim num ambiente de grande felicidade familiar. Quando as crianças perdem este ambiente sentem-se completamente perdidas, aterrorizadas e sempre esperançosas de voltarem a ver os pais.
É através do relato de May/Rill que vamos perceber o que sofreram as crianças que viviam no lar, expondo a parte mais feia desta história. É por May que percebemos que as crianças, já frágeis por terem perdido a família biológica de forma traumática, passavam fome, eram maltratadas física e psicologicamente e abusadas sexualmente, sem qualquer hipótese de defesa.
E este relato na voz de uma criança é muito duro. Os medos e mesmo o pavor que sentiam aquelas crianças faz-nos sofrer a sério com esta história. O amor à família, o terem de crescer tão rápido para se tornaram protectores dos irmãos mais novos, o sofrimento pelos irmãos perdidos, mortos às mãos daquelas pessoas.
É extremamente emotivo e sentimos tudo na pele, estamos constantemente com um nó na garganta. Porque este relato de Rill tem presente toda a inocência de uma criança e por isso é tão mais forte, com todos aqueles detalhes sobre as pequenas coisas que aqui não passam despercebidas, tornando o relato mais autêntico.
Avery, depois de conhecer May vai envolver-se numa investigação que a vai levar a descobrir segredos familiares guardados por gerações e que a vão levar a mudar a maneira como encara a sua própria identidade. O final é muito bonito e é Avery que conduz a esse final, tornando-se numa personagem muito mais interessante do que ao início.
É um livro muito, muito bonito, que nos fala sobre sofrimento, mas também nos fala sobre amor, amizade e a força dos laços familiares, mostrando-nos que mesmo quando a memória se perde, o coração mostra sempre o caminho certo e não esquece.
Foi um livro fantástico, que recomendo vivamente. Não sendo uma leitura ligeira, é um livro que devoramos rapidamente, não tanto para descobrir qual é o segredo na família de Avery numa óptica de intriga, mas porque queremos saber o destino das personagens e só lhes desejamos o melhor!
Uma grande aposta da Saída de Emergência, que valeu bem a pena ler!
Muito obrigada à Saída de Emergência por me terem feito chegar este exemplar!