Este livro, bem curto e com letra bem decente, como já tinha referido, é tão fabuloso que até me custa descrevê-lo, enquadrá-lo num género e emitir uma opinião decente.
Porque este livro é extremamente actual, já que se foca na perspectiva dos refugiados de um país onde rebenta uma guerra civil, e podia ser bastante documental e crítico. Só que depois é completamente inesperado, porque nem é bem uma distopia, nem é bem futurista, é uma história belíssima sobre uma rapaz e uma rapariga que se conhecem e apaixonam, que vivem num país que nunca sabemos qual é, mas imaginamos algo como um Iraque, uma Síria, um Irão. E, apesar de já viverem com uma série de limitações culturais, religiosas, sociais, a situação complica-se quando o seu país entra num conflito e passa a ser fundamental garantirem a sua sobrevivência fugindo do mesmo e dos militantes que perseguem quem se tente opôr.
E é então que Nadia e Saeed procuram um ponto de fuga para um outro lugar que lhes garanta alguma segurança.
Portanto, conseguimos identificar esta história com aquilo que será a história de milhares e milhares de pessoas que já tentaram e outras que continuam a tentar fugir dos seus países em guerra, numa necessidade animal de sobrevivência.
Só que, em vez de acompanharmos toda uma jornada épica de fuga e salvamento, com entrada clandestina num país vizinho ou mais distante através de uma embarcação ilegal ou algo do género, a forma como se processam estas fugas ao longo do livro são algo mais fantasiosas. Porque tudo de processa através de encontrar umas "portas" que, uma vez entrando nelas, caminha-se um pouco e logo se sai noutro país ou cidade, que pode ser a Grécia, São Francisco, Londres, ou qualquer outra cidade ou país onde não exista um conflito.
E em cada local era necessária a capacidade de se enquadrarem e de serem aceites, por serem diferentes. Especialmente Nadia que, até ao fim do livro, insiste em usar sempre o seu traje de túnica preta. E de conseguirem a dada altura dar um rumo às suas vidas, conseguirem instalar-se e ter uma vida normal, com uma rotina de trabalho, porque definitivamente voltar para a sua terra natal era inconcebível.
E também era preciso tentarem manter o seu relacionamento, que vai sofrendo impactos a cada porta que atravessam e à medida que o conflito na sua terra natal vai ficando mais distante. E perceber como se sentem em relação ao seu país natal, às suas famílias, à sua crença religiosa.
Portanto, é um livro que faz uma mistura fantástica entre realismo e fantasia, num romance que nos abre uma nova perspectiva sobre aquilo que serão os sentimentos de um refugiado de guerra e nos leva a questionar em que mundo vivemos e em que mundo queremos viver. Fosse tudo tão fácil como atravessar uma porta negra facilmente identificável para fugir e para encontrar paz!
Num livro que tinha um mote que poderia ter conduzido a uma elaboração com considerações políticas, económicas e religiosas, foge de tudo isso para nos dar a perspectiva da esperança e de um mundo melhor, à distância de uma porta mágica.
Só não dei 5 estrelas a este livro no Goodreads porque, em alguns momentos, eram apresentadas outras personagens meio fora da caixa e tive alguma dificuldade em perceber a intenção destas personagens, porque depois me faltou ali uma ligação mais óbvia à história central de Nadia e Saeed. Pareciam divagações ao acaso sobre outra pessoa qualquer num outro qualquer ponto do mundo e estive até ao fim a pensar que depois todas essas ligações iriam fazer sentido, mas senti que ficou um bocado no ar.
E o autor, apesar de ter uma escrita bela, tem alguns momentos com frases demasiado extensas, que me vi obrigada a reler, porque a frase dava tantas voltas que às tantas me perdia. Portanto, é um livro que exige, por um lado, alguma concentração e, por outro, alguma capacidade de abstracção e de sermos capazes de nos perder, de voar, de nos deixarmos levar sem resistências para onde o autor nos quer levar.
Mas é um livro lindíssimo e que recomendo vivamente!
"Todos somos migrantes através do tempo"
Já alguém leu este livro?
Obrigada à Saída de Emergência por fazer chegar até mim este livro, este autor e esta história encantadora!