Leitura Terminada
Recordo a sinopse.
Uma autora nova, uma temática nova, um livro pequeno e que, infelizmente me demorou algum tempo a ler. Enfim, uma pessoa faz o que pode com tanto multitasking!
Este livro conta-nos a história de Ronit, uma rapariga solteira a viver em Nova Iorque, mas que foi educada na religião do Judaísmo Ortodoxo, uma religião sufocante que a fez viver grande parte da vida em conflitos com o pai, o rabino da comunidade onde vivia e um dia fugir para nunca mais voltar.
Até que um dia o pai morre e Ronit acaba por dar consigo de volta a Hendon ao fim de muitos anos. O que mais queria eram os castiçais de prata que tinham pertencido à mãe (o que mostra bem o quanto era desligada do pai). Mas encontra também pessoas do seu passado. Pessoas que esperava estarem iguais e estavam diferentes, pessoas que esperava estarem diferentes e estavam iguais.
No judaísmo ortodoxo as coisas mantêm-se inalteradas durante muito tempo, como se o tempo parasse sobre os locais e as pessoas, porque é assim que vivem a vida. Extremamente agarrados a um conjunto alargado de regras rígidas que lhes dizem tudo o que devem fazer e como se devem comportar.
Comportamentos desde a alimentação (a alimentação kosher preparada em cozinhas kosher), a comportamentos para com as mulheres (quando menstruadas não podem dormir com os maridos, dormem sozinhas, e depois de alguns dias de passar a menstruação têm de ser purificadas - mikvá - e só depois é que podem voltar a dormir no quarto com os maridos), a divisão nas sinagogas entre mulheres e homens, com áreas distintas e papéis distintos para ambos, o silêncio esperado por parte das mulheres, seres não pensantes que basicamente existem para cuidar da casa e da comida e dos filhos e deixarem os homens em paz para pensar, porque apenas os homens são considerados eruditos e precisam de muito tempo e paz de espírito para estudar profundamente todos os mandamentos da Torá, o que devem vestir e por aí fora.
Uma das pessoas que volta a encontrar é Esti, mulher de Dovid, o pretendido sucessor do falecido rabino. O que é um choque, pois Esti fez parte da sua infância e adolescência e fica chocada por saber que tem uma relação heterosexual.
Ronit sente-se uma estranha na comunidade, continua a sentir que não pertence, continua a sentir a sua não aceitação pela maioria dos membros da comunidade, porque é diferente, rebelde, desobediente, tal como o foi na adolescência.
Depois de Esti manifestar o seu contentamento com o regresso de Ronit, descobre que Ronit a deixou no passado e não pretende continuar no ponto onde ficaram.
E, no fundo, tudo volta ao lugar que pertence.
É uma história que alterna entre uma narrativa mais descritiva sobre as questões relativas à religião e um diálogo com as personagens principais, com algum foco na descrição de emoções e estados de espírito.
É uma história que pensei que fosse tomar um rumo diferente, mas que ao mesmo tempo não me chocou que o rumo tivesse sido aquele. Porque quem vive acomodado numa religião sufocante, é assim que se vai manter e quem nunca se sentiu integrado volta ao seu lugar, ainda que Esti manifeste no final alguma desobediência em relação a algumas regras o que, apesar de inicialmente ser chocante (porque era uma dessas mulheres perfeitas por ser tão obediente e silenciosa), até veio introduzir pequenas mudanças na comunidade.
Achei um romance bastante original na forma como foi escrito. A escrita não é nada densa e consegue transmitir muito bem as emoções e as descrições sobre a religião são ao mesmo tempo detalhadas, mas nada densas ou confusas ou aborrecidas.
Apenas duas citações que assinalei, entre várias outras, e que vos deixo aqui:
"Quanto mais poderosa é uma força, quanto mais sagrado é um lugar, quanto mais verdade existe no conhecimento, mais estas coisas devem ser privadas, profundas, acessíveis apenas áqueles que trabalham para as alcançar. É por isso que os textos cabalísticos devem incluir erros, para que só aqueles com sabedoria suficiente possam penetrar os seus mistérios. É por isso que uma mulher esconde as suas visitas ao mikvá até da sua amiga mais chegada, para que os seus tempos e marés interiores permaneçam sigilosos. É por isso que os rolos sagrados da Torá estão envoltos em panos de veludo.
Não devemos apressar-nos a abrir portas, a deixar que a luz incida sobre locais reservados. Pois aqueles que já viram os mistérios secretos falam-nos não só de beleza mas também de dor. E é melhor que certas coisas não sejam vistas, e que certas palavras não sejam ditas."
"Aqui, não toleramos o espancamento de mulheres, ou a mutilação genital, ou homicídios para lavar a honra. Não exigimos que as mulheres se cubram da cabeça aos pés, ou que andem de olhos baixos, ou que não apareçam em público desacompanhadas. Somos modernos. Vivemos vidas modernas. Apenas exigimos que as mulheres se mantenham nas áreas que lhes são atribuídas; as mulheres são reservadas, enquanto os homens são figuras públicas. A conduta correcta para um homem é o discurso, enquanto a conduta correcta para uma mulher é o silêncio." (Ronit)
Recomendo vivamente esta leitura e agradeço à Saída de Emergência pelo envio de um livro tão interessante!