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Curly aos Bocadinhos

Curly aos Bocadinhos

Leitura Terminada

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Estava a precisar de um livro leve e este serviu o propósito. Mas, desengane-se quem achar que por ser leve devido a ter poucas páginas é uma leitura ligeira.

Este livro é maravilhoso. Um livro tão pequeno e que contém tanta coisa, e tão bem escrito, numa vertente mais lírica, mais poética. Li o livro num só dia. Mas se calhar até o devia ter saboreado devagar, para beber melhor as palavras.

 

Este livro foi publicado em 1922 e o seu autor recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1946. É um clássico intemporal que já deveria ter lido há mais tempo, sendo uma das referências literárias.

 

E é curioso que eu tenha gostado, porque normalmente não tenho grande paciência para leituras mais espirituais, de reflexão, ligeiramente religiosas.

 

A acção decorre no século VI d.C. e conta-nos a história de Siddhartha (filho de um brâmane) que embarca numa viagem espiritual, de auto-descoberta e procura do verdadeiro Eu.

Este jovem inconformista inicialmente segue a doutrina de seu pai e viveu uma infância e juventude de uma forma calma e contemplativa. Mas, como isso não lhe basta, decide sair de casa, abandonar a doutrina e ir em busca de algo que o complete e lhe dê as respostas de que precisa. Abdicando da vida luxuosa e protegida que vivia, parte em peregrinação e junta-se aos samanas (ascetas) durante 3 anos, juntamente com o seu amigo Govinda, passando a viver uma vida de privação mundana (de fome, de falta de bens materiais, de necessidade de mendigar para comer) para alcançar a saciedade espiritual e da alma. E é com eles também que conhece Buda, por quem inicialmente se encanta, mas confronta-o dizendo que também não vai seguir a sua doutrina, porque ainda não é com ela que se sente realizado.

E, mais uma vez, parte em peregrinação até que numa cidade conhece Kamala, uma cortesã muito bela que o encanta e, pela primeira vez, o faz querer conhecer todas as delícias do amor. Depois também passa a trabalhar com um comerciante, para poder ter roupas e sapatos bonitos e dinheiro para agradar e pagar a Kamala. Entrega-se aos prazeres mundanos, corrompe a sua alma porque acaba por se tornar ganancioso, ambicioso, ocioso, por se empanturrar de comida e se, por um lado, isso faz o seu corpo sentir-se bem, por outro a sua alma fica completamente vazia.

E é então que parte novamente e acaba por viver muitos anos com um barqueiro e por ajudar muitas pessoas na travessia de um rio.

Depois de muitos anos e de conhecer o filho que teve com Kamala (filho esse que depois da morte da mãe o abandona porque não o conhece e não se identifca com a vida que leva e, também ele incorformista e com necessidades próprias da idade), consegue finalmente chegar ao estado espiritual que queria, com alguma ajuda do barqueiro, procurando dentro de si mesmo e descobrindo que aquilo que alimenta a alma é o amor por todas as coisas, porque cada coisa é tudo e é na descoberta dessa unidade e desse amor profundo que atinge o Nirvana, o Om.

Podemos assumir, sendo que no final do livro o Buda que conheceu estava prestes a morrer terrenamente, que Siddhartha pode ter sido o Buda que lhe sucedeu.

Pode parecer que isto tem imensos spoilers, porque uma pessoa conta aqui a história e o final da mesma, mas este livro não vale pelo enredo excitante, não é um thiller com um suspeito a descobrir, portanto, não se aflijam. Este livro vale a pena ler mesmo sabendo o enredo, porque aquilo que o torna lindíssimo é a forma como está escrito, é a poesia nas palavras e a mensagem que passa.

Gostei muito da simbologia do rio, de como é preciso saber, não ouvir, mas escutar um rio, porque é na sua fluidez que muito do que é importante saber sobre o mundo se descobre. Também gostei da simbologia do barqueiro como o homem sábio que escuta e não julga, que já tinha encontrado o sentido da vida, conhecimento que levou a Siddhartha, deixando-o depois deste também o ter encontrado porque já tinha concluído a sua missão. Ou seja, Siddhartha de facto conseguiu atingir aquilo que pretendia com a ajuda de um simples barqueiro e não seguindo as doutrinas que tantos outros seguiam.

É um livro repleto de mitos e simbologias, que explora conceitos como o conhecimento, a sabedoria e a paz interior e que apela à reflexão, porque tem tanta mensagem nas entrelinhas que podemos pegar nele e aplicá-lo a cada um de nós e a cenários da vida (há quem consiga encaixar estas mensagem em modelos de negócio, até), desde que haja abertura de espírito para tal. É, de facto, um lindíssimo poema indiano.

 

“A tua alma é o mundo inteiro.”