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Curly aos Bocadinhos

Curly aos Bocadinhos

Leitura Terminada

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Já li alguns livros sobre a temática do Holocausto. Por exemplo os da Luize Valente, que gostei muito. Mas são livros que, apesar de incluírem alguns factos históricos e datas e números e de falarem em situações de que já todos ouvimos falar, acabam por ter uma grande componente de fantasia, principalmente no que toca às personagens centrais e às suas histórias.

Este livro foi dos mais fortes que li até ao momento, por ter tanto dado histórico factual, por nos contar a história de pessoas reais e por envolver, em grande parte, crianças.

O livro começa em Janeiro de 1945, já depois de os soviéticos invadirem a Polónia, mostrando o estado de devastação em que Varsóvia ficou.

E depois vamos para Maio de 1937, ainda antes do início da II Guerra Mundial.

E conhecemos uma Varsóvia ainda algo próspera e vamos aos poucos entrando na chegada da II Guerra Mundial, quando tudo eram ainda boatos e não se percebia bem o que estava a acontecer. E havia um certo descrédito por parte dos judeus de que certos boatos que não podiam ser verdade, por serem totais aberrações. Mas as notícias vão chegando, de outros países e de outras zonas da Polónia.

Misha e Sophia são um casal de estudantes que se conhece e apaixona e foge à ocupação nazi da Polónia, mas que é obrigado a regressar a Varsóvia e ao gueto da capital polaca. E Misha dedica-se a ajudar no trabalho do Dr Janus Korczak.

É quando se entra efectivamente na II Guerra Mundia que o livro atinge aquele ponto a partir do qual é sempre a subir.

A construção dos muros em volta de Varsóvia para fazer o gueto para os judeus, o desespero, o agravar da situação, a fome, a falta de condições, o contrabando para combater alguma fome, a morte, as lutas, as denúncias de alguns polacos (nem todos os polacos eram judeus e dos que não eram muitos tiveram o papel de denunciar judeus, levando à sua morte).

Felizmente no meio de toda esta desgraça, havia algumas pessoas boas, que se arriscaram muito para salvar os judeus.

Alguns polacos. Alguns soldados nazis (em troco de dinheiro, mas ainda assim). Misha, Sofia e as suas famílias. E o Dr Janus Korckak, um médico, psicólogo e pediatra que, antes da II Guerra mundial geria um orfanato, com base em teorias de grande respeito e amor pelas crianças e de conseguir sempre o melhor para elas. Depois do gueto de Varsóvia, ainda ajudou muitas outras crianças e, apesar da escassez de alimentos, fazia de tudo para lhes arranjar qualquer coisa de comer. E fazia de tudo, sobretudo, para as crianças continuarem a ser felizes e a não se aperceberem bem do horror que se estava a passar. Porque a sua instituição representava um pilar de esperança, dignidade e vida de cuidados e amor.

Misha e Sofia também são personagens reais (na contracapa vemos uma foto deles num dia especial, bem como uma foto do Dr Korczak com algumas crianças). Quando as coisas pioram, Misha e Sofia têm o seu amor algo dificultado pelas vicissitudes, tendo de estar separados muito tempo, lutando para sobreviver. Mas, como eles próprios dizem, a força do amor é tudo. Podem não ter mais nada, mas enquanto houver amor e se tiverem um ao outro, têm tudo.

O meu maior problema com este livro foi que eu li a sinopse na contracapa, mas não li a frase da capa.

E então, não sei porquê mas achei que o Dr Korczak tinha conseguido salvar as crianças do gueto. As do orfanato dele e muitas outras. Infelizmente não foi o que aconteceu e das cerca de 500000 pessoas dentro do gueto, talvez se tenham safado 1%.

Chorei muito, muito, muito. A parte das crianças (todas, as do orfanato do Dr, de outros orfanatos e de escolas) a serem encaminhadas e encafuadas no comboio que as levou directamente para Treblinka, onde todas as pessoas que lá chegavam eram directamente metidas numa câmara de gás, foi absolutamente horrível.

De todas as crianças que estavam no orfanato do Dr salvaram-se creio que duas, porque não foram apanhadas na corrente devido a andarem escapulidos nos seus contrabandos para arranjar comida.

O choque de todos, que nunca acreditaram que fosse possível tal coisa, até mesmo o choque dos polacos, que ainda não tinham percebido bem a dimensão das atrocidades, esse momento é crucial no livro. O momento em que as pessoas se dão bem conta da loucura a que estavam entregues.

A escrita é bastante fluída, os capítulos são curtos, é um livro que se lê rápido, principalmente do meio para a frente. A autora consegue pegar nos factos históricos e fazer-nos esquecer em certos momentos que são factos históricos, e faz-nos ter esperança que tudo corra bem. Mas depois quando não correm, trata tudo com tanto respeito, dá-nos tempo para sentir dor, dá-nos tempo para sentir emoção, dá-nos tempo para chorar, porque ao mesmo que a história é horrível é tratada com muita sensibilidade.

O livro conclui com a continuação da história de Misha e Sofia e deixa-nos fortes mensagens sobre o trabalho do Dr Korczak com as crianças, tendo sido inclusivamente com base no seu trabalho documentado que, anos mais tarde, foi elaborada a Declaração Universal dos Direitos das Crianças.

É um livro fortíssimo, que nos conta um episódio mais isolado da II Guerra Mundial que foi a criação do gueto de Varsóvia e do “campo de trabalho” de Treblinka. Como é natural, é um livro muito duro de se ler, porque por mais que a história se saiba, temos sempre aquela incredulidade. Voltamos sempre a questionar como é que foi possível isto acontecer. E parece que estamos sempre a querer mudar o curso da história. Queremos gritar para as páginas, queremos pedir por favor que pare a loucura e pedir que as coisas não aconteçam. E estas histórias são boas para recordar este vergonhoso episódio da história da Humanidade e, mais do que tudo, para homenagear um povo que sofreu atrocidades inimagináveis sem merecer. E, em particular, para homenagear estes “heróis silenciosos” que fizeram tudo o que puderam para ajudar a salvar ou a manter a dignidade deste povo.

 

Dei-lhe 5 estrelas bem chorosas no Goodreads!

 

Obrigada, Porto Editora pelo envio deste fantástico livro!

 

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