Por que é que a quarentena é difícil?
Para lá do problema pandémico em si e de lidar com todos os receios e ansiedades associadas a tal, yada yada e tal. Ter a possibilidade de trabalhar remotamente é muito bom. Certamente é melhor do que perder o emprego ou ter de meter baixa para tomar conta dos filhos. Mas tem os seus desafios. Porque de repente cria-se uma intensidade de papéis na mesma pessoa. E nascem papéis novos. No mesmo dia. E muita coisa em paralelo. E a gestão de tudo isto, tipicamente em simultâneo, não é fácil. E eu até sou uma pessoa com alguma capacidade de multitasking…
Depois não há as normais quebras entre vida pessoal e profissional, é tudo na mesma sala ou na sala ao lado e mal se respira.
E, por altura que se chega ao final do dia, já estamos em ponto de rebuçado e só nos queremos esconder num canto, com um livro e ter um momento de paz.
O meu dia começa às 7 ou 8 da manhã, dependendo se estou a entrar às 8 ou às 9h.
Faço um bocado de ronha, tomo o meu duche, visto-me e como qualquer coisa rápida antes de ligar o portátil. Normalmente o cappuccino da manhã já vem comigo até à mesa de trabalho, porque está na hora de começar.
O resto da malta também se vai levantando, vestindo, fazendo a sua higiene e tomando os seus pequenos-almoços.
É preciso assegurar que a criançada está pronta a trabalhar às 9h, seja para a telescola ou outras aulas virtuais ou simplesmente para manter a rotina e começarem a estudar cedo.
Lá para as 10h, ou 10h15, faço uma “pausa”. Mas é para descansar? Não!
Coisas que normalmente faço na pausa:
- fazer a minha cama
- estender toalhas de banho para secar
- dar um jeito na cama do Marcos que nunca fica feita em condições
- limpar alguma porcaria que as cadelas tenham feito no terraço (há sempre qualquer coisa, porque a Emma continua a fazer porcaria em casa mesmo indo à rua…)
- preparar o estudo do Marcos para esse dia (abrir emails com as fichas, orientar as coisas…)
- às vezes, pôr uma máquina de roupa a fazer
Isto tudo em modo super acelerado e quando se dá conta já devia ter voltado há dois minutos.
Mais trabalho. Com o Marcos sentado o tempo todo ao meu lado, a fazer fitas, a chamar-me de minuto a minuto para perguntar qualquer coisa, mesmo que não tenha necessidade de perguntar, a puxar-me o braço ou segurar-me a mão para me chamar a atenção, quando estou a tentar escrever no computador…
Enfim, “o que vale é que está quase na hora de almoço”.
Hora de almoço:
- orientar o almoço
- estender roupa (às vezes)
- despejar loiça da máquina
- pôr a mesa
- ver se há mais porcarias das cadelas no terraço para limpar
- pôr água fresca às cadelas
- arrumar compras (às vezes)
- sentar para comer e…ooops, faltam 5m para voltar…
Na maioria dos dias já não consigo arrumar a loiça na máquina e limpar mesa e bancadas etc. Fica para alguém fazer. Às vezes os miúdos ajudam a pôr a mesa, tratar das cadelas, arrumar a loiça. Mas às vezes estão em calls ou trabalhos ou cenas e anda aqui a barata tonta a fazer tudo em modo câmara acelerada. Quando me sento para trabalhar até estou mal disposta de ter comido tão rápido.
A meio da tarde, mais uma pausa. Em dias de sorte, fecho os olhos a qualquer tarefa e limito-me a beber um cappuccino e apanhar um pouco de ar. Mas, na maioria das vezes, abro os olhos e há sempre qualquer coisa para dar um jeito ou para fazer…
Quando termino de trabalhar, há sempre mais qualquer coisa para fazer, para limpar, para organizar, para preparar. De vez em quando borrifo-me para qualquer coisa e sento-me no meu canto a ler. Não quero saber das tarefas. Outras vezes sento-me a ler, mas depois há qualquer coisa que me começa a dar comichões e levanto-me e vou fazer. Tipo, podia estar a ler, mas olho pela janela e levanto-me e vou limpar os vidros, porque acho que não estão good enough. Depois é fazer o jantar, é mais isto, mais ir fazer uma caminhada, mais aquilo. Conclusão, estamos em casa e às vezes acabamos de jantar lá para as 9 e meia da noite. E saio da cozinha lá para as 10 e tal.
Portanto, é verdade que se faz muita coisa e tenho aquela sensação de ter sempre a casa controlada, mas isso faz-me também sentir cansada e saturada, devido a este ritmo. Porque parece que estou quase sempre a trabalhar, de alguma forma. É verdade que eu podia borrifar-me para muita coisa, mas não consigo. Porque para conseguir trabalhar em casa, as coisas têm de estar em ordem, senão tenho zero concentração. É muito OCD, fazer o quê?